A fotografia como fonte histórica



A fotografia como fonte histórica

Deve ficar claro que o homem sempre tentou representar a realidade ao seu redor através de desenhos e pinturas. A câmara escura, desenvolvida na Itália renascentista, era um instrumento que auxiliava no desenho. Esse aparelho formava uma imagem que, através da luz, entrava por um orifício onde havia uma lente que projetava uma imagem invertida e nítida do objeto. Por muitos anos pessoas no mundo todo buscaram uma maneira de fixar essa imagem captada em uma superfície. Entretanto, apenas no século XIX foram desenvolvidas diversas técnicas para gravar/registrar essa imagem.
Logo, desde a invenção, por Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) do primeiro processo fotográfico denominado daguerreótipo, em de janeiro de 1839, a fotografia despertou o interesse de diversas áreas da ciência, visto que tornou possível a gravação, com o uso da luz, de um fragmento do “real”, colocando de lado assim as imprecisões a que poderiam estar sujeitas a observação humana ou desenhos e gravuras feitas por artistas.
Contudo, com relação à análise da fotografia, de maneira geral, é necessário ter em vista que “toda a fotografia tem sua origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a congelar em imagem um aspecto dado do real, em determinado lugar e época”. (KOSSOY, 2009a, p. 36)
As fotografias guardam, na sua superfície sensível, a marca indefectível do passado que as produziu e consumiu. Um dia já foram memória presente, próxima àqueles que as possuíam, as guardavam e colecionavam como relíquias, lembranças ou testemunhos. No processo de constante vir a ser recuperam o seu caráter de presença, num novo lugar, num outro contexto e com uma função diferente. (MAUAD, 1996, p. 10)  
Provavelmente por essa mesma razão, apesar da ampliação do conceito de documento ser relativamente antiga na historiografia, remontando à Escola de Annales, a fotografia ainda enfrente dificuldades para ser usada pelos pesquisadores como fonte histórica. Segundo Boris Kossoy,
o problema reside justamente na sua [dos pesquisadores] resistência em aceitar, analisar e interpretar a informação quando esta não é transmitida segundo um sistema codificado de signos em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação escrita. (KOSSOY, 2009a, p. 30)   
Além disso, diversos autores salientam que a fotografia ainda é comumente utilizada apenas como “ilustração ao texto”, como é possível ser notado no seguinte trecho de obra de Maria Teresa Bandeira de Mello e Fernando Pires-Alves a propósito das fotografias realizadas pelas expedições sanitaristas do Instituto Oswaldo Cruz:
durante muito tempo os historiadores, de maneira geral, ignoraram as fontes iconográficas enquanto tais. Restritos aos documentos escritos, só recorriam a elas sob a forma de ilustrações, muitas vezes tomadas como autoevidentes e autoexplicativas, desprezando, por conseguinte, aquilo que tinham de mais significativo: suas relações com os momentos históricos nos quais vieram à luz. (MELLO; PIRES-ALVES, 2009, p. 139-179)
Recentemente essa visão tradicional vem sendo substituída pela noção da fotografia como “fonte histórica de abrangência multidisciplinar” (KOSSOY, 2009b, p. 21), à medida em que são desenvolvidas ações que visam “sistematizar suas informações, estabelecer metodologias adequadas de pesquisa e análise para a decifração de seus conteúdos e, por conseqüência, da realidade que as originou”. (KOSSOY, 2009a, p. 32)
Kossoy esclarece que há três elementos constitutivos imprescindíveis para execução de uma fotografia: o assunto, o fotógrafo e a tecnologia. Deve-se notar, ainda, que esses elementos fazem parte de um processo ocorrido em determinadas coordenadas de tempo e espaço, o qual deu origem a um produto final que é a fotografia. É possível então dizer que o assunto é o tema (fração do “real”), o fotógrafo é o autor, enquanto que a tecnologia é o meio (o maquinário, o produto fotossensível, e as técnicas empregadas para a fixação do registro por meio da ação luminosa), os três elementos juntos dando origem à fotografia (registro de um fragmento do “real”). Logo, é possível afirmar que toda a fotografia é resultado da ação humana (fotógrafo) que, em um dado tempo e espaço, escolheu um assunto e, para registrá-lo, usou os recursos disponíveis da tecnologia. (KOSSOY, 2009a, p. 37.) Kossoy esclarece também que o fotógrafo atua como “filtro cultural” uma vez que é ele quem seleciona a fração do real a ser registrada, organiza os detalhes visuais componentes do assunto, e utiliza os meios tecnológicos, ações essas que irão influenciar no resultado fotográfico final.
Partindo do princípio que “toda a fotografia tem por trás de si uma história” (KOSSOY, 2009a, p. 45) e que “toda fotografia foi produzida com uma certa finalidade” (KOSSOY, 2009a, p. 47) foi realizado o levantamento referencial das fotografias realizadas pelos membros da Comissão Exploradora do Planalto Central, e principalmente pelo cientista Henrique Morize. Posteriormente foi realizada uma análise de cada fotografia individualmente, visto que “a imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam feitas.” (MAUAD, 1996, p. 10)
English version

Photography as a historical source 


It should be clear that man has always tried to represent the reality around them through drawings and paintings. The darkroom, developed in Renaissance Italy, was an instrument that has helped in the design. This unit formed an image that, through light, entering through a hole where there was a lens that projected an inverted image and sharp object. For many years people worldwide have sought a way to fix this image captured on a surface. However, only in the nineteenth century were developed several techniques to write / record this image.

So, from the invention, by Louis Jacques Mande Daguerre (1787-1851) of the first photographic process called Daguerreotype in January 1839, the photograph captured the interest of many areas of science, since it made possible the recording, using of light, a fragment of the "real", thus putting aside the inaccuracies that could be subject to human observation or drawings and prints made by artists.

However, with respect to the analysis of photography in general, it is necessary to bear in mind that "every picture has its origin from the desire of an individual who found himself motivated to freeze picture on a given aspect of reality in some place and time." (Kossoy, 2009a, p. 36)

The photos keep in its sensitive surface, the unfailing mark of the past which produced and consumed. Were once present memory, next to those who had the guarded and used to collect relics, souvenirs and witnesses. In the process of being contained come retrieve your character presence in a new place, in another context and with a different function. (Mauad, 1996, p. 10)

Probably for this reason, despite the expansion of the concept document to be relatively ancient in history, dating back to the School of Annales, the picture is still facing difficulties to be used by researchers as a historical source. According to Boris Kossoy,

the problem lies precisely in their [the researchers] refusal to accept, analyze and interpret the information when it is not transmitted in a codified system of signs in accordance with traditional canons of written communication. (Kossoy, 2009a, p. 30)

Furthermore, several authors point out that photography is still commonly used only as "illustration to the text," as you can be noticed in the following excerpt from the work of Maria Teresa Bandeira de Mello and Fernando Alves-Pires purpose of the photographs taken by the expeditions sanitarians Oswaldo Cruz Institute:

for a long time historians in general, ignored the iconographic sources as such. Restricted to written documents, they resorted to only in the form of illustrations, often taken as self-evident and self-explanatory, neglecting therefore, what was most significant: its relations with the historical moments in which came to light. (Mello, PIRES-ALVES, 2009, p. 139-179)

Recently this traditional view has been replaced by the notion of photography as a "historical source of a multidisciplinary approach" (Kossoy, 2009b, p. 21), to the extent that actions are developed, which aim to "organize their information, establish appropriate methodologies for research and analysis to decipher their content and, therefore, that the rise of reality." (Kossoy, 2009a, p. 32)

Kossoy explains that there are three essential components for running a photograph: the subject, the photographer and technology. It should be noted also that these elements are part of a process that took place in certain time and space coordinates, which resulted in a final product that is photography. You can then say that is the subject matter (fraction of "real"), the photographer is the author, while the technology is the means (machinery, the photosensitive product, and techniques used for setting the record through light exposure), the three elements together giving rise to the photograph (record a snippet of "real"). Therefore, it is clear that any photograph is the result of human action (Photographer), in a given time and space, chose a subject and to register it, used the resources available technology. (Kossoy, 2009a, p. 37) Kossoy also clarifies that the photographer acts as a "cultural filter" since it is he who selects the fraction of the real to be recorded, arranged for visual detail components of the subject, and uses technological means, these actions will influence the final picture result.

Referência / Reference

COSTA, Bianca Mandarino. Fotografias da Comissão Cruls: uma análise da imagem. Monografia de Especialização apresentada à Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Preservação de Acervos de Ciência e Tecnologia. Museu de Astronomia e Ciências Afins. 2010. 101 p.

CARTIER-BRESSON, Anne. Uma nova disciplina: a conservação-restauração de fotografias. In: CADERNOS técnicos de conservação fotográfica. Rio de Janeiro: Funarte, 2004. n. 3.

KOSSOY, Boris. Fotografia & História. Rio de Janeiro: Ateliê editorial. 2009a.

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Rio de Janeiro: Ateliê editorial. 2009b.

MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 1, n °. 2, 1996, p. 73-98. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-4.pdf> Acesso: 17 set. 2010.

MELLO, Maria Teresa Villela Bandeira de; PIRES-ALVES, Fernando. Expedições científicas, fotografia e intenção documentária: as viagens do Instituto Oswaldo Cruz (1911-1913). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, supl.1, jul. 2009, Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702009000500008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt> Acesso: 17 set. 2010.

Imagem. Imagens históricas. Disponível em:< http://www.d-olhonomundo.blogspot.com/2011/01/imagens-historicas-2.html> Acesso: 29 jan. 2011.


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