Observatório Nacional e a criação do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST)

       Quando Henrique Morize, em 1927, foi incumbido por Lyra Castro, Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, para escrever sobre a trajetória do Observatório Nacional (ON), ele observou que realizar essa tarefa era
muito mais difícil do que parecia à primeira vista. Não se encontram nos Arquivos dos diversos ministérios de que dependeu o Observatório, os dados que se esperava achar. No próprio Observatório, somente relativamente a épocas recentes existem dados fiéis, pois antes da transferência do Castelo para o atual local, onde há lugares em que podem ser resguardados os papéis e livros documentais, não havia locais convenientes, o cupim e a umidade destruíram muitos papéis antigos, que seriam hoje de grande utilidade (MORIZE, 1987, p.39).   
    Logo, analisar a trajetória do Observatório é uma tarefa difícil frente à ausência de documentação a respeito. Alguns motivos para essa fragmentação, além dos já ressaltados por Morize, são as diversas mudanças de ministérios à frente da instituição, o que contribui para a fragmentação de sua documentação. Contudo, com o Arquivo de História da Ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST (especialmente o Fundo Observatório Nacional) e o Arquivo Nacional, além dos autores que analisaram essa temática, é possível delinear alguns aspectos que contribuem para compreender a trajetória dessa instituição e, consequentemente, de seus instrumentos científicos.  
     O Observatório Imperial foi criado em 15 de outubro de 1827, no entanto, iniciou suas atividades apenas na década de 1840 e teve como sua primeira sede os torreões do edifício da Escola Militar no Rio de Janeiro. Em 1846, passou a ser denominado Imperial Observatório do Rio de Janeiro (IORJ) e foi transferido para a igreja jesuíta no Morro do Castelo (VIDEIRA, 2007). Em linhas gerais, ao longo de sua história, a instituição realizou estudos relacionados a observações astronômicas e estudos meteorológicos, determinação da hora nacional, determinação de fronteiras internacionais e interestaduais. 
      Com a Proclamação da República, os trabalhos desenvolvidos pelo Observatório pouco mudaram. Posteriormente, a instituição passou a se denominar Observatório do Rio de Janeiro e, em 1909, tornou-se Observatório Nacional. Com a morte de Cruls, em 1908, Henrique Morize assumiu sua direção. Nesse momento, uma das principais funções do Observatório estava relacionada ao serviço meteorológico e sua implantação em todo o território nacional. Em consequência disso, esse foi um momento em que foram comprados muitos instrumentos de meteorologia. 
       Claudia Penha dos Santos (2003) ressalta as atividades realizadas pelo Observatório nas expedições organizadas pela Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), criadas em 1909. Essa inspetoria possuía o objetivo de realizar um levantamento de dados para empreender atividades contra as secas no nordeste brasileiro. Na realização de levantamentos topográficos, o Observatório participou como instituição de empréstimo de instrumentos. Nesse período, Morize chegou a afirmar que “[...] o Observatório [tornou-se] um centro de depósito do material científico destinado aos trabalhos de engenharia e às comissões científicas” (MORIZE, 1987, p.133).
    A partir de 1909, o Observatório foi transformado em Diretoria de Meteorologia e Astronomia, agregando também as atividades de estudo da climatologia do país. A mudança do Observatório do Morro do Castelo, que já havia sido solicitada várias vezes, finalmente foi colocada em prática. O Morro de São Januário foi escolhido como nova sede e deu-se a construção de um novo edifício projetado exclusivamente para ser um observatório astronômico. A obra foi iniciada em 1913 e concluída em 1920 e, paulatinamente, foi realizada a transferência dos objetos e instrumentos para a nova sede (MORIZE, 1987).
     O início da mobilização para a criação do MAST ocorreu em 1981. Nesse momento, estudos estavam sendo realizados para a implantação em Itajubá, Minas Gerais, do Observatório Astrofísico Brasileiro (atual Laboratório Nacional de Astrofísica) no Pico dos Dias. A mudança já era prevista desde a década de 1970. Além disso, desde a construção do Observatório já se sabia que as condições atmosféricas e luminosidade do bairro de São Cristovão dificultariam as pesquisas científicas no local (MORIZE, 1987). Cazelli assinala que era também um momento em que funcionários da instituição e núcleos externos (Núcleo de História Social da Ciência e da Técnica no Brasil, Universidade de São Paulo - SP) preocupavam-se com o acervo instrumental do Observatório Nacional. Logo, o momento era propício para a criação de um museu. Assim, com o objetivo de organizar as ações que deveriam ser tomadas, foi criado em 24 de fevereiro de 1982 o Grupo Memória da Astronomia (GMA) que buscou 
transpor para o espaço da imprensa a discussão sobre a preservação da memória da astronomia e ciências afins, com a possibilidade de tombamento do conjunto arquitetônico, acervo institucional do ON e a criação de um museu de história da ciência (CAZELLI, 1992, p.64). 
      Um dos primeiros trabalhos que deveriam ser realizados pelo GMA era iniciar o inventário do acervo institucional do Observatório Nacional, em seguida realizar a coleta, em todo o Brasil, do “material instrumental potencialmente útil ao museu” (CAZELLI, 1992, p.65). Além disso, era preciso realizar a transferência dos livros e do material administrativo do ON para sua nova sede, no Instituto Brasileiro de Informação Científica e Tecnologia (IBICT) situada no mesmo campus da antiga sede. Deve-se ter em vista que naquele momento
alguns serviços desse observatório estavam sendo desativados. A observação do céu vinha sendo feita de maneira limitada devido à poluição industrial e luminosa e, também, porque o Observatório Astrofísico de Brasópolis já se encontrava em funcionamento (CAZELLI, 1992, p.65).
     Logo, o prédio sede estava sofrendo um esvaziamento de pessoal, e ações deveriam ser tomadas objetivando a proteção do acervo de instrumentos existente. Tendo em vista debater as questões relativas à preservação da cultura científica, o GMA programou uma mesa redonda em agosto de 1982, com membros da comunidade científica. Durante a reunião, alguns desses profissionais expuseram suas ideias e visões de prioridade sobre o museu de ciência, divulgação científica e preservação do acervo científico. Em linhas gerais, havia divergência com relação à que natureza da instituição deveria seguir: mais voltada para a divulgação científica ou para a preservação. No final da reunião, foi redigida uma carta com a assinatura dos participantes e endereçada ao presidente do CNPq, Lynaldo Cavalcante de Albuquerque. Nesse documento foram apresentadas algumas sugestões, como a adoção de uma política abrangente de recuperação e preservação do acervo histórico da cultura científica nacional, a partir da qual o GMA pudesse criar um museu de ciência no prédio principal do Observatório Nacional. Além disso, era sugerido que o CNPq promovesse ações para o tombamento do campus do ON, da biblioteca e dos instrumentos científicos (CAZELLI, 1992, p.73). Em seguida, o GMA passou a ser denominado Projeto Memória da Astronomia no Brasil e Ciências Afins (PMAC) e promoveu a exposição Centenário da Passagem de Vênus pelo Disco Solar. O principal objetivo do PMAC era a criação de “um museu de ciência voltado não apenas para a preservação e a pesquisa histórica, mas também para servir como instrumento de formação dotado de recursos pedagógicos” (CAZELLI, 1992, p.74). Foi a partir da proposta denominada Museu de Ciência: Proposta de Criação, elaborada pela museóloga Fernanda Moro, que foi criado o primeiro plano diretor do museu elaborado, em 1985. 
     Ainda em 1984, com o objetivo de formar um projeto de preservação da memória científica brasileira, foi criada uma comissão de estudos cujos integrantes pertenciam a várias instituições científicas brasileiras. Entre as propostas enviadas ao CNPq por essa comissão constava a criação de um Núcleo de Pesquisa em História da Ciência (NHC) que iniciaria suas atividades com a criação do MAST. Entretanto, quando foi solicitado que o ON deveria liberar o antigo prédio sede (exceto as áreas de pesquisa) para a implantação do NHC a direção sugeriu modificações na proposta. A alteração referia-se à parte de cessão do prédio sede, que deveria ser por empréstimo, em caráter provisório. Para justificar essa alteração, foi ressaltado que “o prédio pertencia legal e historicamente ao patrimônio do observatório e não podia ser alienado a outra entidade” (CAZELLI, 1992, p.78). Posteriormente, o NHC foi efetivamente criado subordinado ao CNPq em nível de Coordenação, e os funcionários do PMAC passaram a integrar esse Núcleo, e o prédio sede foi cedido em empréstimo. É possível perceber que em todo o processo de criação e implantação do MAST deve ser ressaltado que “as ações para efetivar todos esses planos não eram tranquilas e nem transcorriam naturalmente, como às vezes pode parecer” (CAZELLI, 1992, p.65). 
  Contudo, concomitante à criação do NHC ocorreu o tombamento, pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), do conjunto arquitetônico e da coleção (que foi dividida em arquivístico, bibliográfico e museológico), o que propiciou, em 8 de março de 1985, a criação do Museu de Astronomia e Ciências Afins. 
     Atualmente a coleção do MAST conta com cerca de 2.300 itens museológicos procedentes do Observatório Nacional (ON) mas também de outros institutos de pesquisa como o Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e de doações da sociedade civil. Com a missão de “ampliar o acesso da sociedade ao conhecimento científico e tecnológico por meio da pesquisa, da preservação de acervos, divulgação e história da ciência e da tecnologia no Brasil” (Institutional, 2019). O MAST também possui exposições e atividades como oficinas, palestras e observação noturna dos astros.

Visite o Museu!

Leia também nosso artigo sobre o MAST.

Referências:

Crédito do texto: Bianca Costa

Tibúrcio, Bianca Mandarino da Costa. Instrumentos científicos, um desafio para os museus : estudo de caso das comissões de Luiz Cruls ao Planalto Central do Brasil. 164 f. : il. Color. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Museologia e Patrimônio, 2013. Orientadora: Moema de Rezende Vergara.  

MORIZE, Henrique. Observatório Astronômico: um século de história (1827-1927). Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins: Salamandra, 1987. 

VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. História do Observatório Nacional: a persistente construção de uma identidade científica. Rio de Janeiro: Observatório Nacional, 2007.

VIDEIRA, Antonio Augusto Passos; OLIVEIRA, Januária Teive de. As polêmicas entre Manoel Pereira Reis, Emmanuel Liais e Luiz Cruls na transição do século XIX. Revista da SBHC. V.1, n.1, p.42-52. jan/jun. 2003.

GESTEIRA, Heloísa Meireles; VALENTE, Maria Esther; VERGARA, Moema Rezende de. Olhar o céu, medir a terra. Catálogo de exposição. Museu de Astronomia e Ciências Afins. 2011.

SANTOS, Claudia Penha dos. As Comissões científicas da Inspetoria de Obras contra as secas na região de Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa (1909-1912). Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Casa de Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2003.

CAZELLI, Sibele.  Alfabetização científica e os museus interativos de ciência. 163f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. 1992.

Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). Disponível em: <http://mast.br/pt-br/> Acesso: 4 fev. 2019.

Sobre o Museu. Disponível em: <http://www.mast.br/museu/sobre/> Acesso: 4 fev. 2019.

Acervo museológico do MAST. Disponível em: <http://mobile.dudasite.com/site/mast1?url=http%3A%2F%2Fsite.mast.br%2Fhotsite_museologia%2Findex.html&utm_referrer=http%3A%2F%2Fmast.br%2Fpt-br%2F#2761> Acesso: 5 fev. 2019.

Institucional. MAST.  Disponível em: <http://www.mast.br/index.php/pt-br/institucional.html> 10 fev. 2019.

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