Breve histórico dos Museus de Ciência e Centros de Ciência

O que hoje conhecemos por museus de ciência remontam à chamada “Revolução Científica” do século XVII. Victor Danilov ressalta que Francis Bacon (1561-1626) propôs a criação de um museu de invenções e uma galeria de retratos de seus inventores. Segundo o mesmo autor, Descartes (1596-1650) sugeriu a criação de um museu com instrumentos científicos e ferramentas do ofício mecânico, onde um artesão habilidoso ou um mecânico ligado a cada grupo de comércio ficaria responsável por responder perguntas sobre os processos e a utilização de ferramentas (1982, p.14). Essa ideia também está presente nas preocupações de Leibniz (1646-1716), e para esses pensadores nesses espaços seriam realizadas, também, demonstrações de experiências. Leibniz acreditava que atividades dessa natureza estimulariam novas invenções e divulgariam as novidades mecânicas (DANILOV, 1982, p.14).
Talvez como uma forma de concretizar essas ideias, em 1683, foi criado o primeiro museu de ciência aberto ao público: o Museu Ashmolean ligado à Universidade de Oxford, na Inglaterra. A coleção inicial foi doada por Elias Ashmolean e era composta por espécimes de história natural, constituindo, assim, um local de pesquisa para os alunos da universidade. Aberto ao público, em 1759, o British Museum foi o primeiro museu público em âmbito nacional onde sua coleção inicial foi composta da doação do naturalista Sir. Hans Sloane. Para Danilov, apesar da ideia de Descartes não ter sido colocada em prática, ela influenciou a criação na França, do Conservatoire National des Arts et Métiers, em 1794, pela Assembleia Nacional. Essa instituição atendia a política industrial que visava dotar a França de recursos técnicos e pedagógicos para competir com os demais países europeus. Nesse sentido, Bruno Jacomy ressalta que
[...] o Conservatoire não era, a princípio, nem um museu nem um gabinete de Física. A nova instituição era, antes de tudo, um instrumento de “encorajamento à inovação” dirigida a uma vasta população de técnicos ou não (2007, p.17).
A primeira coleção do Conservatoire era composta por diversas máquinas que se encontravam disponíveis para artesãos e trabalhadores que assistiam a demonstrações a fim de aprimorar suas próprias habilidades. Logo, a função educativa baseada na demonstração pode ser considerada uma das características do Conservatorie e instituições que seguiram essa vertente. Segundo Maria Esther Valente, Sibele Cazelli e Fátima Alves (2005) esses atributos classificam o Conservatoire como um museu “saber fazer”. Jacomy acrescenta que esses espaços eram ambientes de tripla vocação: experimentação (realização de experimentos, atividade essa restrita a uma elite de especialistas), formação (educação através da demonstração e explicação) e recreação (2007).
Assim, floresceram também os museus industriais que eram “ligados principalmente às sociedades de cientistas, às câmaras patronais de comércio ou associações profissionais de diferentes setores industriais” (JACOMY, 2007, p.17). Apresentavam por objetivo a ‘transmissão da habilidade, e do saber técnico, e [...] a proteção da propriedade industrial” (JACOMY, 2007, p.17). Foi nesse momento, que algumas instituições técnicas e de formação profissional desenvolveram projetos educativos utilizando objetos e demonstrações. Logo, para responder essa demanda
[...] alguns fabricantes de instrumentos científicos da segunda metade do século XIX criaram verdadeiras empresas que concebiam e fabricavam modelos pedagógicos em série, ao mesmo tempo que protótipos para uma rede quase mundial de clientes institucionais (JACOMY, 2007, p.18).
Deve-se assinalar que esse também é o período das exposições de produtos industriais, como a “Grande Exposição das Indústrias de Todas as Nações”, de Londres, em 1851, que levou ao surgimento de vários museus técnicos e industriais. Esses museus preocupavam-se com a “preservação e transmissão dos produtos do conhecimento dos processos industriais, bem como encarregados das ferramentas e máquinas” (JACOMY, 2007, p.17). Posteriormente, essa preservação se alargou, abrangendo também modelos e desenhos. Para Jacomy, contudo,
esses museus se destinavam a um público profissional bem específico, e não ao público em geral, mas, paralelamente, sob a influência das exposições universais, outras iniciativas de grande porte se desenvolvem (2007, p.18).
Sandra Jatahy Pasavento esclarece que as exposições universais “funcionavam como síntese e exteriorização da modernidade dos “novos tempos” e como vitrina de exibição dos inventos e mercadorias postos à disposição do mundo pelo sistema de fábrica” (1997, p.14). Essas ideias permearam a criação de diversos museus que objetivavam divulgar o desenvolvimento científico e industrial. Nesse sentido, a exposição de 1851, em Londres, deu início ao South Kensington Museum, que foi posteriormente desmembrado dando origem ao Science Museum e ao Victoria and Albert Museum, um representante da ciência e outro da arte e design respectivamente. Acompanhando a linhagem de museus cunhados em decorrência de exposições universais, temos o Deutsche Museum, criado em 1903, na Alemanha. Desenvolvido por Oskar von Miller, ele é “o primeiro museu exclusivamente dedicado à “técnica” e a última das grandes instituições nacionais a ser criada nesse campo” (JACOMY, 2007, p.18). 
Paralelamente, no desenrolar do processo de difusão da ciência e da tecnologia, foi se desenvolvendo a ideia marcante de apresentar objetos especialmente fabricados para ilustrar os princípios científicos e industriais e que poderiam ser colocados à disposição para manuseio dos visitantes. Posteriormente, foram abertos o Museum of Science and Industry de Chicago, em 1933, e o Palais de la découverte, em 1937, ambos com essa nova tendência de forma mais lúdica de apresentação de informações. Contudo, pouco a pouco, a mecânica foi substituída pela eletricidade e, posteriormente pelas comunicações com ou sem fio. Essas mudanças iniciadas no século XX alteraram profundamente a divulgação e a transmissão do conhecimento científico e técnico. Segundo Jacomy
[...] atualmente, na era da “caixa preta”, para entender “como funciona” já não basta um simples modelo operado por uma manivela. Tornou-se necessário explicar o que há por dentro, a circulação dos fluidos, os elétrons... e tudo é mais difícil de se demonstrar em um museu (2007, p.19).
Na década de 1960, foram criados o Exploratorium de São Francisco e o Ontario Science Center, em Toronto, que constituem os primeiros Science Centers nos modelos atuais. É possível assinalar, dentre outras características, a predominância do uso dos “meios de comunicação de massa, [...] como instrumentos de promoção da ciência e da técnica” (VALENTE; CAZELLI; ALVES, 2005, p.193). Essas exposições científicas ou técnicas se voltaram para o discurso, colocando em segundo plano os objetos e a história. Entre os museus e centros de ciência, nota-se que, os museus possuem
[...] importantes coleções históricas, mas frequentemente difíceis de serem decodificadas pelos mais jovens, contra os centros de ciência visitados por um grande público escolar, mas onde a história dos objetos autênticos está repetidamente ausente ou reduzida a uma ilustração anedotal (JACOMY, 2007, p.23).
Segundo Jacomy, os museus de ciência se valeram dos avanços desenvolvidos pelos museus históricos, artísticos e centros de ciência com relação ao público e ações  culturais. Apesar disso, existe ainda uma diferença visível entre eles. O museu dispõe de instrumentos científicos e máquinas históricas e autênticas enquanto que os centros de ciência buscam explicar conceitos e, para isso, utilizam modelos, interações e manipulações renegando o objeto autêntico apenas como ilustração. É possível afirmar que existe uma dicotomia frequente referente a essas instituições. Nelson Sanjad, tendo por base os estudos de Bragança Gil, esclarece que os centros de ciência são, em sua maior parte, espaços nos quais se demonstram teorias e fenômenos naturais, onde “raros possuem acervo, pouquíssimos desenvolvem pesquisa na sua própria área de atuação” (2007, p.129). Esse movimento de exclusão do objeto é desaconselhado por Jacomy, visto que para ele o objeto é, e continuará a ser, o suporte mais adaptado para a rememorização, assim como um discurso inovador. Devido a sua familiaridade ou o seu exotismo, sua modéstia ou nobreza, ele enriquece todos os discursos, todas as demonstrações com a condição de não se reduzir ao estado de simulacro ou de simples pretexto (2007, p.24).
Dessa forma, concordamos com Marcus Granato e Luiz Roberto Martins de Miranda quando observam que o patrimônio científico “é constituído por objetos que são testemunhos dos processos científicos e do desenvolvimento tecnológico que não são mais utilizados para reproduzir, questionar ou estudar os fenômenos físicos” (2011, p.280-281). Nos museus de ciência, os objetos que são frequentemente identificados como constituintes desse patrimônio são os instrumentos científicos e objetos científicos (definição mais ampla).
Para Alberti van Helden e Thomas Hankins, os “instrumentos são a tecnologia da ciência [...] que tem se expandido muito desde o século XVII” (HELDEN; HANKINS, 1994, p.5). Helden e Hankins pontuam também que “[...] o instrumento científico moderno nasceu durante o período entre 1550 e 1700” (1994, p.3). Nesse sentido, os aparatos anteriores foram utilizados para medição “enquanto que os novos instrumentos da Revolução Científica raramente realizavam medições, pelo menos não no início” (HELDEN; HANKINS, 1994, p.3). Contudo, na visão de Deborah Warner é “perigoso até mesmo falar sobre “instrumentos científicos”, no século XVII, porque esse termo não se tornou comum até o século XIX” (WARNER apud HELDEN; HANKINS, 1994, p.3). Por isso, comumente o termo “instrumento científico” é utilizado para denominar aparatos confeccionados a partir do século XIX. Exemplos concretos dessa ideia de Warner podem ser vislumbrados na classificação utilizada na Inglaterra depois de 1650, a partir do qual instrumentos produzidos e utilizados para demonstrações de efeitos físicos são “chamados de ‘filosóficos’, em contraste com os mais velhos instrumentos de medição, que foram chamados de ‘matemáticos’” (HELDEN; HANKINS, 1994, p.4). Posteriormente, essa classificação foi incorporada pelos fabricantes de instrumentos do século XVIII (HELDEN; HANKINS, 1994, p.4). Outra questão que deve ser levada em consideração é que parte importante da Revolução Científica foi a criação de um método experimental, em seguida, a criação de convenções para o uso adequado de instrumentos – isto é, decidir que tipos de instrumentos devem ser admitidos em filosofia natural e que constituía seu uso adequado – ações cruciais para a prática científica (HELDEN; HANKINS, 1994, p.4).
Contudo, deve-se levar em consideração que “o papel dos instrumentos mudou, é claro, como a ciência mudou desde o século XVII, tanto nos seus métodos e na sua organização social” (HELDEN; HANKINS, 1994, p.4) e estudar os instrumentos constitui um meio de entender o desenvolvimento das atividades científicas. Logo, entende-se que esse tipo de coleção impõe para os museus um desafio, tendo em vista que apresentam alta complexidade. Frequentemente, seus usos e funções não são auto-evidentes e, muitas vezes, são vestígios de práticas científicas do passado. Nesse sentido, cabe ao profissional do museu pesquisar e contextualizar esses objetos de forma a compor um conjunto de informações proveniente de diversas fontes, tais como, relatórios, catálogo de fabricantes, anúncios, fotografias, cartas e documentos institucionais.


Referências:


Tibúrcio, Bianca Mandarino da Costa. Instrumentos científicos, um desafio para os museus : estudo de caso das comissões de Luiz Cruls ao Planalto Central do Brasil. 164 f. : il. Color. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Museologia e Patrimônio, 2013. Orientadora: Moema de Rezende Vergara. 


DANILOV, Victor. J. Science and tecnology Centers. Cambridge: Massachusetts Institute of Tecnology, 1982.


JACOMY, Bruno. Instrumentos, máquinas e aparatos interativos de ciência e tecnologia exibidos nos museus. In: VALENTE, M. E. A. (Org.) Museus de ciência e tecnologia: interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, p.15-28, 2007.


PASAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições universais: espetáculo da Modernidade do Século XIX. Editora HUCITEC. São Paulo. 1997.


VALENTE, Maria Esther Alvarez; CAZELLI, Sibele; ALVES, Fátima. Museus, ciência, educação: novos desafios. História, Ciência, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.
12, supl., p.183-203, 2005.


GRANATO, Marcus; MIRANDA, Luiz Roberto Martins de. A restauração na trajetória de um teodolito do acervo do MAST. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 19, jan./jun, n.1, p.279-312. 2011.


HANKINS, Thomas; HELDEN, Albert Van. Introduction: Instruments in the History of Science. Osíris, v.9, p.1-6, 1994.


SANJAD, Nelson. O lugar dos museus como centros de produção de conhecimento científico. In: BITTENCOURT, José Neves; GRANATO, Marcus, BENCHETRIT, Sarah Fassa (Org.). Museus, ciência e tecnologia. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, p.123-134, 2007.

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